Escurinho do cinema, década de cinqüenta. Na tela o filme passava normalmente, na platéia ouvia-se um gritodiscreto quase sussurrando: baleiro..bala...baleiro...balas Ruth... olha a goma!Fazia-se então um silêncio por uns dez ou quinze minutos e de repente via-se o vulto do vendedor de balas passando devagar e voltava com seu pregão: baleiro...bala...balas Ruth...goma...olha a goma!
A maioria dos cinemas não tinha bar para vender pipoca ou doces, e a figura do vendedor de balas andando pela sala, era certa.
De vez enquanto, um pequeno tumulto: na tela um filme de suspense e na melhor cena onde o som era importante dentro da cena, ouvia-se aquele pregão: baleiro..balas Ruth!
-Cala a boca guri!
O vendedor de balas se calava e desaparecia na escuridão para voltar mais tarde com o seu pregão.
Um colega de escola era um desses vendedores de balas e me convidou para ser baleiro. Ele me convenceu com um argumento infalível: podia ver todos os filmes e seriados de graça.Não precisou falar duas vezes.
O grande problema era convencer minha mãe.
-Vender bala no cinema? Não. Não e não.Onde já se viu isso? Um menino de dez anos em vez de estudar vender bala no cinema?
-Mãe, eu vou ver todos os filmes de graça e é só final de semana.
Diante disso- de que era só no final de semana - e ela não precisava se preocupar com o dinheiro da entrada....
-Você jura que é só no final de semana?
-Juro.Pergunta ao Beto, foi ele quem me arranjou.
-Ora, logo quem? O Beto, com aquela cara de santinho barroco?
-Eu juro.Quem sabe o dono não deixa a senhora entrar de graça?
Peguei pesado.Grande chantagem com dona Belaniza, minha mãe.Ela pensou, titubeou, e não deu outra.
-Está bem. Você ganha algum dinheiro com isso?
-Ganho.
-Está bem pode ir, mas é só no final de semana.
Saí pulando de alegria.Já pensou? Ver filmes de graça? E o seriado: Ayooo... Silver! Lá ia o Zorro em cima de seu cavalo Silver, e o índio - Tonto - que era seu companheiro inseparável, O Homem Aranha, e os desenhos animados? E os filmes proibidos?
No dia marcado minha mãe me arrumou todo, roupa limpa e perfumado, estava mais perfumado do que filho de barbeiro.
Apresento-me ao dono do cinema que me apresenta um tabuleiro cheio de balas.
O tabuleiro era de vime, desses que se pendura no pescoço com uma alça de pano.
Era bem sortido, com vários tipos de balas, mas na época a mais famosa era as tais balas Ruth, as que vendiam mais, pois faziam muito "reclame" no rádio.
Lá vou eu. De inicio um pouco inibido, eu prestava mais atenção ao filme do que apregoava a venda das balas; na realidade eu passeava pela sala de projeção sem gritar até que um dado momento o lanterninha me disse que o dono queria falar comigo.
-Carlinhos , disse o gerente dirigindo-se a mim: você tem que anunciar que está vendendo balas, não é só passear pela sala, se você não gritar, ninguém vai saber o que você está fazendo ali. Grita Carlinhos.Grita, que você vende.
-Posso gritar?Pergunto.
-Pode. - responde, o dono.
Encostei-me atrás das últimas cadeiras, tomei coragem e fui em frente.
-Alô. Bala... baleiro... baleiro, bala! Tá docinha que tá danada.Vai de bala aí, senhor? E a senhora, vai de bala? Alô... baleiro, bala.
Desandei a falar pelos cotovelos.
Eu pensei: está tudo no escuro, ninguém sabe quem eu sou.Lá vou.
Inventei um pregão diferente achando que estava abafando, falava rápido, mas baixinho para não incomodar.
De vez enquanto alguém me chamava e comprava balas.
Isto durou dois fins de semana mais num belo sábado, durante a projeção de um filme de horror, eu todo compenetrado como o baleiro do cinema Bangu, realizando meus sonhos- ver filmes de graça e ver até filme proibido, quando...
-Baleiro, bala...baleiro...vai de Ruth, senhor?
E o filme lá no telão quadrado.Quando, de repente, alguém grita: ô guri chato pára com esta cantoria!!!
Houve aquele silencio.Aquilo para mim foi a maior vergonha ser chamado atenção quando estava trabalhando, vendendo minhas balas.
Fui de mansinho lá para os fundos do cinema, no escuro ninguém me via, mas a impressão que eu tinha era de que todos me olhavam.
Fiquei decepcionado com a platéia. Pensei: vou me vingar.
Em dado momento, no melhor do filme, na hora mais emocionante (eu conhecia o filme) enchi os pulmões e berrei com tudo que tinha dentro de mim:
BALEIIIIROOO!!! QUEM VAI DE BALA!! BALEIIIROOO!!!
Saí gritando pelo salão adentro e ainda parava na frente de todo mundo.
Foi um Deus nos acuda, nunca vi tanto palavrão como naquele dia, coitada da minha mãe, ainda bem que ela não soube.
Era assobio e neguinho gritando: cai fora guri, vai vender bala lá na rua, e aí é que eu gritava mais ainda; foi a maior guerra de berro.
O dono do cinema acendeu as luzes e lá estava eu, em frente a uma platéia de cinéfilos a gritar comigo, e eu com aquela cara de garoto de dez anos, espantado, mas não com medo.
-Tira este guri daqui, ô seu Manoel.
Seu Manoel, o dono do cinema, foi lá e me arrastou delicadamente para fora da sala de exibição. E a sessão continuou normalmente, mas sem o baleiro mor do cinema Bangu.
A maioria dos cinemas não tinha bar para vender pipoca ou doces, e a figura do vendedor de balas andando pela sala, era certa.
De vez enquanto, um pequeno tumulto: na tela um filme de suspense e na melhor cena onde o som era importante dentro da cena, ouvia-se aquele pregão: baleiro..balas Ruth!
-Cala a boca guri!
O vendedor de balas se calava e desaparecia na escuridão para voltar mais tarde com o seu pregão.
Um colega de escola era um desses vendedores de balas e me convidou para ser baleiro. Ele me convenceu com um argumento infalível: podia ver todos os filmes e seriados de graça.Não precisou falar duas vezes.
O grande problema era convencer minha mãe.
-Vender bala no cinema? Não. Não e não.Onde já se viu isso? Um menino de dez anos em vez de estudar vender bala no cinema?
-Mãe, eu vou ver todos os filmes de graça e é só final de semana.
Diante disso- de que era só no final de semana - e ela não precisava se preocupar com o dinheiro da entrada....
-Você jura que é só no final de semana?
-Juro.Pergunta ao Beto, foi ele quem me arranjou.
-Ora, logo quem? O Beto, com aquela cara de santinho barroco?
-Eu juro.Quem sabe o dono não deixa a senhora entrar de graça?
Peguei pesado.Grande chantagem com dona Belaniza, minha mãe.Ela pensou, titubeou, e não deu outra.
-Está bem. Você ganha algum dinheiro com isso?
-Ganho.
-Está bem pode ir, mas é só no final de semana.
Saí pulando de alegria.Já pensou? Ver filmes de graça? E o seriado: Ayooo... Silver! Lá ia o Zorro em cima de seu cavalo Silver, e o índio - Tonto - que era seu companheiro inseparável, O Homem Aranha, e os desenhos animados? E os filmes proibidos?
No dia marcado minha mãe me arrumou todo, roupa limpa e perfumado, estava mais perfumado do que filho de barbeiro.
Apresento-me ao dono do cinema que me apresenta um tabuleiro cheio de balas.
O tabuleiro era de vime, desses que se pendura no pescoço com uma alça de pano.
Era bem sortido, com vários tipos de balas, mas na época a mais famosa era as tais balas Ruth, as que vendiam mais, pois faziam muito "reclame" no rádio.
Lá vou eu. De inicio um pouco inibido, eu prestava mais atenção ao filme do que apregoava a venda das balas; na realidade eu passeava pela sala de projeção sem gritar até que um dado momento o lanterninha me disse que o dono queria falar comigo.
-Carlinhos , disse o gerente dirigindo-se a mim: você tem que anunciar que está vendendo balas, não é só passear pela sala, se você não gritar, ninguém vai saber o que você está fazendo ali. Grita Carlinhos.Grita, que você vende.
-Posso gritar?Pergunto.
-Pode. - responde, o dono.
Encostei-me atrás das últimas cadeiras, tomei coragem e fui em frente.
-Alô. Bala... baleiro... baleiro, bala! Tá docinha que tá danada.Vai de bala aí, senhor? E a senhora, vai de bala? Alô... baleiro, bala.
Desandei a falar pelos cotovelos.
Eu pensei: está tudo no escuro, ninguém sabe quem eu sou.Lá vou.
Inventei um pregão diferente achando que estava abafando, falava rápido, mas baixinho para não incomodar.
De vez enquanto alguém me chamava e comprava balas.
Isto durou dois fins de semana mais num belo sábado, durante a projeção de um filme de horror, eu todo compenetrado como o baleiro do cinema Bangu, realizando meus sonhos- ver filmes de graça e ver até filme proibido, quando...
-Baleiro, bala...baleiro...vai de Ruth, senhor?
E o filme lá no telão quadrado.Quando, de repente, alguém grita: ô guri chato pára com esta cantoria!!!
Houve aquele silencio.Aquilo para mim foi a maior vergonha ser chamado atenção quando estava trabalhando, vendendo minhas balas.
Fui de mansinho lá para os fundos do cinema, no escuro ninguém me via, mas a impressão que eu tinha era de que todos me olhavam.
Fiquei decepcionado com a platéia. Pensei: vou me vingar.
Em dado momento, no melhor do filme, na hora mais emocionante (eu conhecia o filme) enchi os pulmões e berrei com tudo que tinha dentro de mim:
BALEIIIIROOO!!! QUEM VAI DE BALA!! BALEIIIROOO!!!
Saí gritando pelo salão adentro e ainda parava na frente de todo mundo.
Foi um Deus nos acuda, nunca vi tanto palavrão como naquele dia, coitada da minha mãe, ainda bem que ela não soube.
Era assobio e neguinho gritando: cai fora guri, vai vender bala lá na rua, e aí é que eu gritava mais ainda; foi a maior guerra de berro.
O dono do cinema acendeu as luzes e lá estava eu, em frente a uma platéia de cinéfilos a gritar comigo, e eu com aquela cara de garoto de dez anos, espantado, mas não com medo.
-Tira este guri daqui, ô seu Manoel.
Seu Manoel, o dono do cinema, foi lá e me arrastou delicadamente para fora da sala de exibição. E a sessão continuou normalmente, mas sem o baleiro mor do cinema Bangu.
Carlos Tourinho
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